Francisco Pinto
“A Língua Mirandesa corre perigo de desaparecer?” A pergunta é de Aurélia Merlan, investigadora da Universidade de Konstanz, na Alemanha, que inquiriu mais de 600 pessoas de Miranda do Douro e conclui que menos de 3% dos jovens locais falam a “lhéngua”. Isto apesar de as escolas do concelho terem visto aumentar significativamente o número de inscritos na disciplina.
O estudo, a que o JN teve acesso, pretendeu analisar os principais problemas que afectam a segunda língua oficial em Portugal e determinar a actual situação sócio-linguística da “lhéngua” na Terra de Miranda. E descobriu que 60% dos adultos ainda a utilizam como língua materna.
Falha intergeracional
No entanto, a substituição do Mirandês pela língua maioritária – o Português – parece ser já uma tendência. E não é apenas característica da Terra de Miranda. É constatada noutras regiões da Europa onde se falam línguas minoritárias a Sardenha, em Itália, ou as Astúrias, em Espanha (neste caso, o número de falantes baixou já de 36% para 17,7 %).
O problema do Mirandês parece estar, segundo a investigadora, na transmissão intergeracional da língua, que foi deixando de ser passada como língua materna ao longo do século XX (ver quadro). “Actualmente, o Mirandês tem ainda uma certa vitalidade, mas, nos últimos 20 anos, deixou de ser transmitido como língua materna. Uma língua que não é transmitida como tal corre o perigo de desaparecer e ficar apenas como língua estudada nas escolas”, alerta a investigadora Aurélia Merlan.
Prova disso é o facto de o Português ser praticamente a única língua usada em instituições públicas, como a Câmara Municipal ou o Tribunal. Salvam-se as juntas de freguesia, onde os mirandeses vão mantendo a “lhéngua” por permitir uma maior proximidade com o povo.
Resultados são um alerta
Para António Bárbolo Alves, director do Centro de Estudos António Maria Mourinho, os resultados do estudo não são tão animadores para o futuro da Língua Mirandesa quanto alguns discursos pretendem fazer crer. E devem ser lidos cuidadosamente.
“Há opiniões optimistas, mas a realidade não é bem assim. Todos os dados do estudo apresentado têm de ser debatidos e analisados, até porque não pode haver curas sem se saber qual é o diagnóstico”, argumenta o investigador.
“Está de boa saúde”
Júlio Meirinhos, ex-deputado do PS, e impulsionador da Lei 7/99 – a “Lei do Mirandês”, que reconheceu a “lhéngua” como segunda língua oficial em Portugal -, acredita que “o Mirandês está de boa saúde” e desvaloriza o estudo de Aurélia Merlan. Mas encara-o como “uma declaração técnica e intelectual no sentido de alertar para que se faça mais e melhor trabalho em prol da manutenção da Língua Mirandesa”. E acredita que “nunca ninguém deixou que o falar português prejudicasse o Mirandês”. Júlio Meirinhos sugere, no entanto, que os ministérios da Cultura e da Educação se juntem na criação “urgente” de um Instituto ou mesmo de uma Fundação da Língua Mirandesa, uma entidade isenta que não alinhe “no permanente folclore” que se tem verificado em torno da “lhéngua” e possa dar “uma orientação científica rigorosa” para o seu futuro.
(de l Jornal de Notícias, 12-10-2007)
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